Justiça acata recurso da USP e estudante cotista pode perder vaga na Faculdade de Direito
"Basta a palavra de alguns para dizer quem eu sou": estudante cotista da USP corre risco de perder vaga após decisão do TJ

Rebecca Vieira de Souza, de 23 anos, estudante do segundo ano da Faculdade de Direito da USP, corre o risco de ter sua matrícula cancelada. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu um recurso da universidade e validou a decisão da Comissão de Heteroidentificação, que não reconheceu sua autodeclaração como parda.
A jovem ingressou na instituição após ser aprovada no vestibular da Fuvest de 2024 por meio de uma vaga destinada a pessoas pretas e pardas. No entanto, sua matrícula foi negada após a comissão da USP avaliar que ela não apresentava os traços fenotípicos exigidos para o benefício. Diante disso, Rebecca acionou a Justiça e, por meio de uma liminar, conseguiu garantir sua matrícula. Posteriormente, venceu em primeira instância e manteve o direito de estudar.
A USP, porém, recorreu da decisão. No julgamento em segunda instância, a maioria dos desembargadores reconheceu que a análise feita pela comissão da universidade estava devidamente fundamentada. No acórdão, a relatora do caso, desembargadora Cynthia Thomé, afirmou que não cabe ao Poder Judiciário avaliar o fenótipo da aluna.
Apesar disso, a decisão não foi unânime. Dois desembargadores votaram contra o recurso da USP. Um deles, Carlos Von Adamek, destacou que Rebecca apresentou diversos documentos, incluindo um laudo antropológico e registros fotográficos, que atestariam sua elegibilidade para as cotas raciais.
A própria trajetória de Rebecca já havia sido marcada por episódios de racismo. Quando criança, uma escola particular chegou a negar sua matrícula, alegando — segundo relato da secretária da instituição — que a diretora “não aceitava criança escura”. A família acionou a Justiça na época e conseguiu reverter a situação. Esse episódio, inclusive, foi citado no julgamento atual.
Em entrevista ao UOL, a estudante relatou que vive dias de grande tensão, ansiedade e medo de ser obrigada a abandonar o curso dos seus sonhos. “Se eu fosse fazer Direito, tinha que ser na São Francisco”, disse, em referência à tradicional faculdade da USP. Ela também expressou indignação com o julgamento. “Basta a palavra de alguns para definirem o que eu sou e o que eu não sou”, desabafou.
Desempregada e enfrentando dificuldades financeiras, Rebecca contou que precisou recorrer a empréstimos para arcar com os custos dos advogados. Ela também relatou que tem encontrado barreiras para conseguir um estágio, fundamental tanto para sua formação acadêmica quanto para sua subsistência. “Chego até as fases finais dos processos seletivos, mas nunca sou escolhida. Acho que esse processo, que é público, acaba impactando na minha contratação”, lamentou.
A defesa da jovem informou que irá solicitar a suspensão da decisão do TJSP, permitindo que ela continue frequentando as aulas até que todos os recursos sejam julgados.
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